Discurso do Dr. Pereira Leite
Exmas. Senhoras e Exmos. Senhores:
Convidou-me o PDA para tecer alguns considerandos sobre o Dr. José da Silva Fraga, enquanto Advogado e Homem Público Ilustre da nossa Terra, o que faço com muita honra e prazer.
Antes porém não quero deixar aqui de agradecer ao Dr. Carlos Melo Bento, meu mui Ilustre Colega e Amigo, as palavras elogiosas que me teceu no A. Oriental, mas imerecidas, a propósito desta minha pequena palestra.
Entendo que as palestras e os discursos devem ser claros, precisos e, acima de tudo, curtos.
Perdoe-me pois quem discordar desta visão, pela pouca extensão das minhas palavras.
I
Na minha juventude conhecia o Dr. Silva Fraga de nome, já como advogado famoso que era, com créditos bem firmados entre nós.
Após ter concluído o curso de Direito, tive a honra de estagiar com ele, eu ainda na casa dos vinte e tal anos e ele já nos50 e muitos e a recuperar de uma grave doença que o incapacitou temporariamente.
Daí até à sua morte, convivemos quase diariamente durante cerca de uma década e meia.
E essa convivência, que se iniciou com as lides da advocacia, alastrou-se ao pensamento social e politico e ao debate de ideias, e desaguou numa profunda amizade e respeito, apesar da grande diferença de idades que aparentemente nos poderia separar.
São sobremaneira conhecidas as suas qualidades enquanto advogado brilhante, tecnicamente próximo da perfeição, e que se reflectiam nos resultados obtidos.
Tinha nos processos judiciais em que se envolvia, e em linguagem moderna, um superávit fabuloso, quase esmagador.
Homem de raciocínio rápido, claro, linear, brilhante, encontrava saídas e soluções onde os outros há muito haviam desistido.
As suas peças processuais escritas, hoje mais do que nunca, são uma referência.
Ouvi de inúmeros Juízes que com ele lidaram, os mais rasgados elogios.
E quem melhor colocado do que um Juiz para “julgar” as qualidades de um advogado?
Mas, como disse, tudo isso é do conhecimento geral.
Agora, o que poucos sabem é que o Dr., José da Silva Fraga desenvolveu essas qualidades, que o catapultaram para o topo da advocacia, como um cego desenvolve exponencialmente alguns sentidos, para colmatar a falta de visão. Isto, nas palavras do próprio Dr. Silva Fraga!
Passo a explicar:
Existe um pensamento generalizado de que um bom advogado tem de ser necessariamente um bom orador.
Nessa linha, para ser um advogado brilhante, ter-se-á de ser obrigatóriamente um tribuno brilhante.
Porém, o Dr. José da Silva Fraga, enquanto advogado brilhante que se destacou notoriamente dos restantes Colegas (e estes que me perdoem esta franqueza), foi a prova de que essa teoria não é verdadeira.
Com efeito, conhecedor de que, por via dos seus dotes oratórios não se destacaria dos outros advogados, desenvolveu e apurou quase á perfeição a escrita e a técnica, com especial incidência na processual.
Assim, os processos judiciais em que se envolvia, quando chegavam à fase de julgamento – a tal onde os dotes oratórios eram postos à prova – estavam já, muitas vezes, praticamente decididos a seu favor, tal era a desigualdade técnica e de escrita que fora aplicada aos mesmos.
E isso via-se, invariavelmente, nos resultados obtidos.
É que, como dizia Mestre Fraga, “os processos são como os icebergs: 4/5 estão submersos, não se vêm, e a parte visível é só 1/5. Os 4/5 são a parte técnica e escrita e 1/5 é a parte oral - é muito pequena”.
A estes dotes escritos e técnicos, o Dr. Silva Fraga juntava um apurado rigor estratégico e táctico, encarando o processo como uma guerra, no qual se desenvolviam diversas batalhas, até à vitória final de uma das partes, em resultado da movimentação planeada e planificada ao milímetro, como se de peças de um autêntico jogo de xadrez se tratasse.
Era uma combinação mortífera, que o tornava num adversário Temível.
Mas apesar do seu brilhantismo, o Dr. José da Silva Fraga era uma pessoa extremamente simples, sem arrogância, de trato muito afável, avesso a protagonismos e que não fazia qualquer distinção entre Colegas com “nome feito na praça” e Colegas novatos, sem experiência, a todos tratando de igual forma leal e cortês.
Sempre tratou todos, indistintamente, com correcção e respeito, desde funcionários judiciais a Colegas ou Magistrados.
Sempre também sem subserviência e com salutar frontalidade.
Era, nas palavras do seu Ilustre Discípulo Dr. Lopes de Araújo, “UM SENHOR” com letra grande.
Era também um Homem voltado para o futuro pois, percebendo que o “sangue novo”, bem orientado, poderia ser uma mais valia para a experiência e sabedoria da idade, trocava incessantemente ideias e esgrimia argumentos com Colegas novos, tendo feito escola e formado, até morrer, vários discípulos, sendo o último o meu querido Colega e Amigo, Dr. Pedro do Nascimento Cabral.
E, numa visão já então muito clara do que seria e será a advocacia no futuro, fundou a primeira sociedade de advogados dos Açores, esboçando já naquela altura a repartição de áreas específicas do direito e aproveitamento de sinergias, hoje em dia tão em voga.
Foi pois um advogado brilhante, que sobressaiu entre os seus pares e que marcou indelevelmente várias gerações de Colegas, o que é muito difícil de se conseguir se, como ele era, se for avesso a protagonismos fáceis, se for avesso a aparecer por tudo e por nada ou, como se diz terra a terra, se for avesso “a pôr-se em bicos de pés”.
Morreu a fazer aquilo que mais amava – A Advocacia.
II
A outra faceta do Dr. Silva Fraga – a do Homem público – é fascinante.
Tive o privilégio de, por via da amizade que se criou entre nós, tomar contacto profundo com as suas ideias sociais e politicas.
E se na advocacia era um Homem avesso a protagonismos, na vida pública era-o ainda mais.
Apesar disso, a Assembleia Regional aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pela sua morte, numa manifestação inequívoca do respeito generalizado que granjeou.
O Dr. José da Silva Fraga tinha a consciência plena que para se defenderem ideais e galvanizar as pessoas são necessários tribunos, figuras de proa, emblemáticas e carismáticas.
Tinha também a consciência plena, em virtude da sua maneira de ser avessa a protagonismos, que ele não preenchia esses requisitos.
Era, por isso e enquanto Homem público, a personificação do anti-heroi.
Não era um Homem de Acção. Era, contudo, um Homem da Razão, do raciocínio, da teoria.
Não significa isso que desdenhasse a política e o social, ou que procurasse flutuar ao sabor de ventos e marés, beneficiando acriticamente do Poder instalado.
Bem pelo contrário.
Homem amante da sua terra, de ideias claras e sem meios termos, via como melhor futuro para ela a criação de um estado independente.
Disse-o e escreveu-o desassombradamente. Inúmeras vezes. Principalmente quando passou de moda.
Principalmente quando passou a ser incómodo.
Até ao fim da sua vida!
Como recentemente lembrou o Dr. Melo Bento no Açoriano Oriental, também a ele se deve a solução político jurídica que permitiu aos açorianos defenderem sozinhos a sua terra.
Foi um ovo de Colombo tirado da cartola de um advogado brilhante.
Teorizou ainda sobre a independência progressiva dos Açores, sem ser contra Portugal, sem revanches, sem violência, sem ódio.
Pelo contrário, teorizou essa independência progressiva, enquadrada no Direito dos Povos a traçarem o seu destino, com acolhimento no Direito Internacional e nas regras do jogo democrático e no âmbito das Nações Unidas.
Bem ao jeito da sua formação jurídica.
E essa teorização está espalhada por diversos jornais, sendo o Correio dos Açores, então dirigido por Jorge do Nascimento Cabral, aquele que lhe publicou uma série de artigos subordinados ao sintomático titulo “Os Açores não estão defendidos”, e nos quais, progressivamente e de forma clara, sustentou essa teorização.
Concorde-se ou não com ele, manteve e defendeu um pensamento político consistente, respeitado e respeitável.
Sempre como viveu:
Sem subserviências, sem medo de represálias.
Enfim – LIVRE!
BEM HAJA.
Muito Obrigado.
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